Dos quatro sobreviventes da explosão ocorrida no terminal estadual de gás, cuja fotografia, naquele instante, eu mantinha suspensa diante dos meus olhos, um deles se encontrava morto. Aliás, antes mesmo de ter sido fotografado.
E era, convenhamos, por demais estranho e constrangedor avistá-lo ali, em preto e branco, empertigado, ladeando os outros três sobreviventes, deixando a mostra um sorriso irônico e ligeiramente despudorado. Sequer olhava-me de soslaio, preferindo enfrentar-me com seus olhos negros interrogativos por trás dos óculos redondos de grossas lentes, que garboso, se via obrigado a usar. Aparecia vestindo o mesmo sobretudo cinza escuro de golas largas, que trajava quando o encontraram sem vida por entre os escombros do sinistro.Desde o começo, quando das primeiras listas com os nomes das vítimas fatais, ele já figurava. A família fizera o reconhecimento de seu corpo no necrotério e chorara desesperada sobre o cadáver chamuscado. Agora, ele teimava em voltar, incluso em todas as fotografias tiradas dos três únicos sobreviventes. Chegara, inclusive, a aparecer na primeira página de um jornal vespertino de grande circulação, numa fotografia, entremetido àqueles três que escaparam do desastre, em cujo rodapé anunciava o que as páginas internas esmiuçavam.
E embora as notícias corroborassem a sua morte, enveredando em comentários sobre o padecimento da sua enlutada família, renitente, ele insistia em se mostrar com vida, desprezando a companhia dos mortos que, assim como ele – e como cabia ser –, já haviam sido sepultados.
Somente seis dias depois daquela infausta tarde em que me trouxeram a notícia da sua morte, é que a imagem de meu pai começaria, enfim, a desbotar-se naquelas tantas fotografias, até esvair-se de todo.
Assim consumado, tomei em minhas mãos os retratos e recortes de jornais que comigo trazia guardados dos bolsos, os quais e, de modo contumaz, me entregava a vislumbrá-los com um misto de dor e sofreguidão. Ninguém houve de censurar-me ou inquirir-me por aquilo que acabei de fazer.
Rasguei-os todos em pedacinhos e juntei-os sobre o peitoril da janela de meu quarto onde a seguir os queimei.
Ventava, e isso em muito me convinha. Num sopro, aliciei o vento para que carregasse com ele as minhas próprias cinzas.
© Alfredo Gonçalves de Lima Neto