Sequer era-me conhecido, o menino, que agora olha-me entremetido em vivaz curiosidade, por sobre o ombro esquerdo do pai. Esse, o pai, embora de costas para mim, parece-me alguém por demais familiar.
Entrementes e, por hora, não posso assegurar similitudes ou parentescos porquanto ele insiste em manter a face oculta, escamoteada pelo menino que carrega, cuja esperteza da idade permite perseguir com seus argutos olhos o mundo que se oferta a sua volta.
Alguns anos depois desse encontro, mas isso só virei a saber com o passar do tempo, haverei de ter um filho com aquelas mesmas feições do menino que ora fita-me e, talvez, por conta dessa lembrança – pai e filho passeando ao cair da tarde por entre os arvoredos de um bucólico parque –, por diversas vezes, cumprirei repetir igual itinerário.
Decerto para não deixar esmaecer essa imagem que ora mo oferta o destino, que haverá de ficar por demais impregnada em futuras lembranças. Todavia, nesses distantes anos que me aguardam viver, descobrirei, ainda que por acaso, numa dessas tardes mornas em que estivermos caminhando juntos — eu e o meu filho por nascer — por ali, exatamente no instante em que nos deleitarmos arremessando pequenos pedaços de miolo de pão para os peixes do lago, encontraremos refletidas no espelho das águas as nossas faces e tudo se desnudará. Nesse átimo, em que os contornos de nossos rostos se imprecisarão à baila do movimento das ondas circulares que se formam a cada naco de pão ali atirado, o sobressalto se fará sentir.
Então saberei que, sequer terá nascido o menino que trago suspenso em meu ombro Tampouco poderei reconhecer o seu rosto, disforme, de permeio ao movimento das águas ora agitadas por conta dos peixes que disputam o alimento oferecido. E desconhecido serei a mim mesmo.
Certamente – ainda que não possa asseverar de todo – por tudo ter sido tão-somente um sonho dentro de um sonho, nada mais que isso, talvez ou, simplesmente, sem que viesse atentar, fossemos nós – eu e meu inascível filho – a lembrança de alguém que, um dia, quando da sua passagem a berma desse lugar o qual nos encontramos agora, tenha nos imaginado de igual forma, assemelhados à saudade que haveria de guardar – recordação que se esvai – que não me pertence e, por conseguinte, não carrego comigo no correr dos anos, muito menos no presente, nesse lugar devorado pela escuridão, onde nenhum rosto se permite perpetuar, quiçá entrever-se, pior ainda esquecer-se.
E desperto, longe do parque onde nunca estive.
©Alfredo Gonçalves de Lima Neto
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