Alfredo Gonçalves de Lima Neto, médico por profissão, artista da palavra por desígnio dos deuses (e quiçá com um pouquinho de força dos demônios também), nasceu em uma madrugada, possivelmente, chuvosa – daquelas de tempestades que, assustando a quem é surpreendido nas ruas, anunciam os grandes cataclismos –, já que a maioria das crianças soe escolher as horas mais insólitas para vir à luz, imagino que isso sucedeu com ele que, também por vocação dos deuses (ou dos...), já veio ao mundo fazendo travessuras.
No entanto, dizia eu que a possível tormenta da qual falava, supondo ter ele vindo ao mundo naquela noite, ao ter as mesmas características das que pressagiam desgraças, ironicamente trouxe um fato benfazejo. Um menino que, se poderia dizer, era antípoda do personagem das histórias infantis, uma vez que não se negou a crescer, sendo que houve apenas uma semelhança com aqueloutro, posto que Alfredo, ao se fazer homem, em espírito, permaneceu eternamente criança, já que, para ele, a vida é tão-somente um ato lúdico, só valendo a pena vivê-la com ajuda de muito riso, brincadeiras, gracejo, festança, pilhéria, caçoada, folgança, galhofa, zombaria e, consequentemente, muito humor.
Não sei se ao nascer, algum anjo torto, daqueles que vaticinaram a Drummond, o fado de “ser gauche na vida”, auguraram-lhe destino semelhante. Sei, contudo, que o dotaram de uma etérea sensibilidade, de uma honestidade ilibada e de um espírito de companheirismo ímpar. Tudo isso, porém, repleto de ironia, de zomba, diria mesmo que até de certo espírito de galhofa, características as quais podem parecer aos desavisados coisa de pessoa que não leva nada a sério.
Ledo engano.
Alfredo, em sua aparente adolescência eterna, é sério e sisudo. Sua obra literária assim o prova. Um dos seus temas favoritos é o último ato da vida, conforme podemos constatar neste “Os Encantos da Morte”, um livro primoroso sob todos os sentidos. E esse primor caracteriza-se pela riqueza da linguagem, pela fina ironia do humor, pelas sutilezas das metáforas, pela trama bem urdida e pela elegância verbal.
Há um lugar-comum – do tipo desses que aparecem nos pára-choques dos caminhões – relacionado com os médicos, o qual reza: “Por lidar tanto com a morte, talvez seja o que melhor saiba lidar com a vida”. Aplicando-o ao escritor Alfredo, eu diria que ele por trabalhar literariamente com o lado absurdo e contraditório da vida – e sua obra é a melhor prova disso –, melhor consegue brincar de forma magistral com a morte.
O leitor sensível, ao adentrar nas páginas deste livro, constatará que essas palavras são o retrato vivo sobre um escritor que consegue transformar em fina ironia – às vezes com laivos de zombaria e sarcasmo – as chamadas tragédias da vida.
Araken Vaz Galvão
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